26 de dez. de 2014

Surto de legionella vai ser prova de fogo para a justiça portuguesa

Mais de 370 pessoas ficaram infectadas e outras 12 perderam a vida em consequência da libertação da bactéria 

A partir de agora os afectados podem gratuitamente recorrer aos serviços da delegação de Vila Franca de Xira da Ordem dos Advogados para obter aconselhamento jurídico. O MIRANTE levantou aos responsáveis algumas das dúvidas que mais preocupam as vítimas.

O processo judicial de apuramento de responsabilidades no recente surto de legionella no concelho de Vila Franca de Xira, que matou 12 pessoas e infectou mais de 370, vai ser um teste de fogo à eficácia da justiça portuguesa e um processo que irá colocar à prova o seu dinamismo.
Andreia Figueiredo, da delegação de Vila Franca de Xira da Ordem dos Advogados, diz mesmo que será um caso de estudo na história do direito português. “Tenho a certeza que será um caso exemplar da justiça portuguesa, vai dar atenção a um ramo do direito que em Portugal ainda não é muito valorizado e trabalhado, que é o direito ambiental. Será, em todas as perspectivas, um case-study”, defende.
Para assegurar que nenhuma pessoa afectada pelo surto possa ficar sem apoio judiciário, o município de Vila Franca de Xira e a delegação local da Ordem dos Advogados assinaram um protocolo de cooperação visando o encaminhamento, consulta gratuita e criação de uma bolsa de advogados disponíveis para acompanhar as vítimas no longo caminho jurídico que agora começa.
Neste momento corre um processo de inquérito no Ministério Público (MP) onde serão recolhidos elementos indiciários. Só depois o MP decidirá se deduz acusação ou se arquiva o caso. Segundo a Direcção-Geral de Saúde há uma ligação entre as bactérias encontradas nos doentes com legionella e as bactérias encontradas nas torres de refrigeração da ADP Fertilizantes, no Forte da Casa. O que, note-se, não significa que a empresa tenha violado alguma das obrigações da sua licença ambiental.
Segundo Andreia Figueiredo, existem três perspectivas sobre como este caso pode vir a ser tratado na justiça caso o Ministério Público avance com uma acusação: crime ambiental; responsabilidade contra-ordenacional por não cumprimento de normas ambientais; e ainda a componente indemnizatória dos cidadãos afectados. O crime ambiental é punível até 11 anos de prisão que podem ser convertidos em multa que pode chegar aos 2,5 milhões de euros. As multas por não cumprimento de normas ambientais podem atingir os 5 milhões de euros e a isto soma-se os pedidos de indemnização pelos danos morais e patrimoniais das populações afectadas.
“Poderemos estar a falar de pagamentos suficientes para deixar uma empresa na falência ou perto disso. Na lógica contra-ordenacional pode mesmo haver, em abstracto, a interdição da actividade. Podemos ter aqui uma situação com consequências muito gravosas para a empresa”, nota a responsável. Com este protocolo, diz Andreia Figueiredo, não há desculpa para a população não procurar agir na justiça contra os autores do surto.
O que fazer e quando
A partir de agora todas as pessoas que necessitem de esclarecimentos sobre o que fazer juridicamente face ao surto de legionella podem marcar um atendimento gratuito na delegação de Vila Franca de Xira da Ordem dos Advogados. Quem for à câmara e às juntas de freguesia pedir aconselhamento jurídico vai também ser encaminhado para a delegação. O MIRANTE levantou a Andreia Figueiredo algumas questões sobre o problema.
Quando se pode avançar na justiça? Durante o inquérito do Ministério Público o cidadão já pode manifestar o propósito de deduzir ou pedir indemnização. Após a acusação, caso ela seja proferida, terá oportunidade de produzir esse pedido, apoiando-se também na recolha de prova feita entretanto pelo Ministério Público.
Ter documentação que prova que foi uma vítima do surto (recibos hospitalares, baixas médicas, recibos de farmácias, entre outros) chega para pedir uma indemnização? Não. Isso são elementos fundamentais que devem ser guardados desde a primeira hora e fazem prova do dano. Mas faltará sempre estabelecer o chamado nexo de causalidade, ou seja, é preciso que se prove o que causou o surto. Esses documentos apenas provam que a pessoa sofreu danos com esse surto. Falta identificar quem o causou. Identificar qual a causa pode não ser tão simples como à partida se possa pensar.
Caso o Ministério Público decida arquivar o processo, perde-se a possibilidade de conseguir obter indemnizações? Não. Cada caso é um caso e os elementos probatórios, apesar de não serem suficientes para uma imputação penal, podem abrir bons caminhos para a área cível. É um trabalho a ser analisado no terreno até porque, mesmo que o caso seja arquivado depois do inquérito, é sempre possível pedir a abertura da instrução.
Quanto pode custar recorrer aos tribunais?
Tudo dependerá do que for acordado com o advogado. Mas as pessoas com maiores carências económicas podem gratuitamente solicitar apoio juridico na Segurança Social. No atendimento gratuito da delegação ajudamos nesse processo também.
Há mais hipóteses de vencer nos tribunais se as vítimas estiverem todas juntas, por exemplo, numa comissão, do que cada um por si? É ainda prematuro pensar nisso. Admito que venham a nascer estruturas desse genéro, até porque isso acontece em cenários semelhantes noutros países. Mas neste momento estamos ainda numa fase muito embrionária do processo.

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