Em dezembro de 2011 ocorreu o marco legal no Brasil para um grande ganho no controle e gerenciamento de riscos associados à água. A Portaria 2914 publicada pelo Ministério da Saúde veio substituir a antiga portaria 518 de 2004, definindo o controle, a vigilância, as responsabilidades e o padrão de potabilidade da água. Essa portaria trouxe diversos avanços como, por exemplo, definições mais claras, novas atribuições de responsabilidades para quem capta e trata água, além da necessidade de novos tipos de monitoramentos (como o de cianobactérias), entre outros.
Contudo, um ponto que poucos deram atenção foi que esta norma também trouxe, entre as obrigações estipuladas ao responsável pelo sistema de água para consumo humano (artigo 13º), a necessidade de manter uma avaliação sistemática da água em função dos riscos à saúde se utilizando do chamado Plano de Segurança da Água (PSA). Esse é um esforço do país para se enquadrar nas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) que, desde 2000, tem aplicado esforços na difusão do Plano de Segurança da Água como método para gerenciamento dos riscos que a água pode propiciar aos usuários.
A água pode representar diversos riscos à saúde do ser humano nas diferentes formas em que ele pode ter contato com ela. São riscos que são independentes dos usos da água e que podem ser biológicos, químicos ou físicos. Tradicionalmente, o risco da água sempre foi pensado apenas para a ingestão e somente nos sistemas de água potável. Porém, os riscos à saúde humana podem estar nos mais diferentes sistemas, como, por exemplo, os sistemas de resfriamento que podem possuir alto risco de contaminação por aspiração de gotículas de água contaminadas pela Legionella (uma bactéria que pode causar sérias pneumonias).
O PSA é, assim, uma ferramenta com uma visão holística para qualquer sistema de água e que reconhece que a verificação da qualidade por meio de análises da água não é suficiente para garantir um patamar aceitável de segurança da mesma para a saúde. As análises, além de muito focadas para a questão da ingestão, não dão uma resposta rápida para se evitar o uso de uma água possivelmente contaminada - laudos laboratoriais são custosos, pontuais e, quando os resultados são emitidos, a água já foi consumida e utilizada muitos dias antes. Assim, o PSA é uma ferramenta a ser utilizada pelo gestor e responsável pelo sistema de abastecimento ou pela solução alternativa de água com duas metas:
1) Conhecer profundamente as fraquezas e riscos do seu sistema de água e quais danos ele pode ocasionar à saúde dos seus usuários diretos ou indiretos;
2) Ter uma estratégia de gerenciamento constante e rotineiro dos riscos para se ter uma água segura em seu sistema.
Um sistema seguro de água é aquele em que a gestão de sua operação não apenas conhece seus perigos e vulnerabilidades, mas tem os seus riscos mapeados e avaliados, suas medidas de controles adequadas e monitoradas, assim como também, e mais importante, tem a capacidade de agir e corrigir desvios em tempo hábil de não haver consumo de água sem segurança.
Em um primeiro momento, pode parecer que esse tipo de ferramenta é necessário apenas para grandes empresas de distribuição de água ou para grandes empreendimentos. Contudo, em vista dos novos desafios da sustentabilidade, do aumento do reuso de água, do uso indiscriminado de fontes, assim como também da frequente constatação da deterioração geral da qualidade da água, e, principalmente, do aumento das responsabilidades legais da sua gestão e seus usos (como iniciamos este artigo), a segurança da água também é um conceito valioso para a operação, gerenciamento e consumo da água no interior de qualquer edificação ou indústria.
O PSA não é uma ferramenta simples de ser elaborada. Segundo orientações da OMS, recomenda-se utilizar o método HACCP - o mesmo utilizado pela indústria alimentícia - e propõe três etapas principais:
1) Avaliação do Sistema
2) Monitoramento Operacional
3) Plano de Gestão
A Avaliação do Sistema é um processo de análise e verificação de riscos, envolvendo todo o sistema, desde a fonte ou recebimento da água até os pontos de uso e consumo. Visa determinar se a qualidade final da água distribuída atende aos padrões estabelecidos que não são necessariamente os padrões de potabilidade. O Monitoramento Operacional engloba a identificação e o monitoramento de pontos críticos, de modo a reduzir e gerenciar os riscos identificados na primeira etapa. Por fim, os Planos de Gestão visam à gestão do controle dos sistemas para atender as condições de segurança durante a operação normal e também em casos excepcionais, quando algum desvio da qualidade é identificado no Monitoramento Operacional.
A nossa empresa desenvolveu, seguindo as orientações da OMS, o Plano de Segurança da Água para Edificações, serviço pioneiro no país e que atende as exigências e desafios propostos pela nova legislação brasileira de água de consumo humano. Todos os sistemas de água da edificação (não apenas os sistemas de água potável) são avaliados em seus aspectos e unidades internas (fonte de água, desinfecção/tratamento, distribuição e pontos de consumo) e os perigos são mapeados e identificados em quatro aspectos: ingestão (assim como também matéria prima), inalação (com destaque para a bactéria Legionella), contato (contaminação e infecção de peles e mucosas) e desabastecimento de água (risco para o funcionamento do empreendimento).
Seguindo as três etapas propostas pela OMS, após descrição e identificação dos riscos, um Plano de Melhorias é proposto de forma compreensiva e detalhada para priorizar ações e investimentos. Esta é uma parte bastante importante quando se trata da segurança da água. Não adianta ter soluções ou propostas pré-prontas, é sempre necessário avaliar junto com o gestor do sistema da água qual a melhor solução para cada risco identificado e qual a possibilidade do empreendimento de suportar econômica e operacionalmente tais soluções.
O PSA, para além da obrigação legal instituída no Brasil com a nova legislação de potabilidade de água, é também uma ferramenta valiosa para qualquer gestor do sistema de água que queira não apenas conhecer a fundo suas vulnerabilidades (que sempre existem), mas também uma forma de apresentar para seus colaboradores, acionistas, clientes, usuários e consumidores que ele possui um gerenciamento eficiente para minimização e mitigação de riscos associados à água.
Fernando H. Bensoussan é Avaliador de Risco de Legionella formado na Inglaterra. É um dos formuladores na empresa Setri do Plano de Segurança da Água para Edificações.
http://www.revistainfra.com.br/portal/Textos/?Entrevistas/14233/A-%C3%A1gua-%C3%A9-um-risco-%C3%A0-sa%C3%BAde-
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