Paulo Silva, 59 anos, residente na Póvoa de Santa Iria, esteve internado no Hospital de Vila Franca de Xira com a doença do legionário. Foi uma das 375 vítimas do surto de legionella, detetado a 7 de novembro em três freguesias vizinhas da fábrica Adubos de Portugal, em Alverca do Ribatejo. Paulo sofreu dores musculares, dores de cabeça e abdominais, teve febre e vómitos e chegou a estar ventilado.
Mais grave tornou-se, entretanto, o estado de saúde de Edgar Gama, 49 anos, residente em Alverca, que na manhã de 12 de novembro foi transferido do Hospital de Vila Franca de Xira para a unidade hospitalar de Cascais, onde esteve internado durante 10 dias. A infeção dos pulmões alastrou a outros órgãos, o funcionamento dos rins foi comprometido e Paulo esteve ventilado e em coma durante dois dias. Faltou ao trabalho durante três semanas e não se conforma com o sucedido. Paulo e Edgar ponderam agir judicialmente contra a empresa cuja torre de refrigeração libertou a bactéria para a atmosfera.
Todos aqueles que foram infetados pela bactéria libertada pela Adubos de Portugal (ADP), bem como os familiares das vítimas mortais, têm efetivamente argumentos que justificam levar a tribunal os proprietários da unidade industrial. O relatório da Direção Geral da Saúde provou que a libertação da bactéria para a atmosfera foi protagonizada pela fábrica de Alverca, violando a legislação em vigor, logo estão reunidas as primeiras condições para responsabilizar civilmente a ADP. Junta-se ainda a este rol a existência de uma relação (nexo de causalidade) entre a libertação da bactéria por parte da empresa e os danos sofridos pelas vítimas, que são quantificáveis (perda de vida, dores, despesas médicas e redução salarial, entre outros).
Do ponto de vista penal, poderemos estar também perante um crime de poluição com perigo comum, se o tribunal reconhecer que o ato poluidor do ar constituiu perigo para a vida e para a integridade física de mais de três centenas de pessoas. E este é um tipo de crime de natureza pública, pelo que o Ministério Público se encarregou de abrir o respetivo inquérito, que poderá conduzir a empresa à barra dos tribunais.
A ADP pode ainda ser responsabilizada do ponto de vista ambiental, se o tribunal entender que foi a lesão de um componente ambiental (neste caso, o ar) que causou prejuízos a terceiros. Esta decisão pode ser importante para as vítimas, já que a legislação que regula a reparação de danos ambientais prevê que os gerentes e os administradores da empresa em causa sejam chamados a responder solidariamente pelos danos causados, suportando também o pagamento de eventuais indemnizações, no caso de a empresa não as conseguir pagar.
Os relatórios até agora produzidos pelas entidades públicas que acompanharam o caso seguiram já para o Ministério Público, que conduzirá o inquérito para apurar a existência ou não de indícios da prática de crime. As vítimas podem constituir-se assistentes no processo, o que significa que passam a colaborar com o Ministério Público, oferecendo-lhe provas e requerendo as diligências que considerem necessárias, acompanhando os despachos produzidos ao longo do processo. Podem também avançar para tribunal com uma ação independente daquela que possa ser apresentada pelo Ministério Público e interpor recurso das decisões que os afetem, acedendo a todos os elementos processuais, tais como relatórios, despachos ou ofícios.
Além de se constituírem assistentes, os lesados podem e devem apresentar um pedido de indemnização civil no processo. Só com este pedido têm hipóteses de ser ressarcidos dos danos sofridos por eles próprios e pelos seus familiares. No entanto, é imprescindível que recorram a um advogado, que saberá lidar com a complexidade do caso. Se não tiverem possibilidades económicas para suportar as despesas com os honorários do advogado e com eventuais taxas a cobrar pelo tribunal, podem requerer à Segurança Social da sua área de residência a atribuição de apoio judiciário, que os dispensa do pagamento de taxas de justiça e lhes nomeia um advogado oficioso para acompanhar o seu processo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário